A Pescada fez o Universo
à sua medida. Se dividirmos o corpo de qualquer peixe (que, por sua vez, foi
feito à imagem da Pescada Original), obteremos três segmentos bem definidas: a
cabeça, a posta e a barbatana. Cada uma delas serve de modelo para a
organização das três partes do cosmos: o Jacuzzi, o Mundo e o Grelhador.
Na cabeça estão o
cérebro e os olhos do peixe, aquilo que o dirige, que o permite pensar, que o
conduz pelos rios da vida; está representada pelo Jacuzzi infinito com que a
Pescada premeia os seus fiéis, e que serve de incentivo para uma vida plena.
As postas estão cheias
de espinhas, e encontram-se ligadas por uma espinha central quer à cabeça, quer
à barbatana; é a vida do dia-a-dia, cheia de dificuldades, que tanto pode conduzir
ao Jacuzzi como ao Grelhador.
A barbatana é para
agitar e fugir dos predadores; daí o
medo que nos dá o Grelhador e as suas chamas assustadoras.
Porque estes temas
exigem tempo e maturação espiritual, falaremos hoje apenas de um destes níveis:
o Grelhador. Não porque seja o mais relevante; tudo no mundo é igualmente
relevante aos olhos da Pescada. É apenas importante que o fiel informado tenha
rápida e plena consciência do que o espera caso comece a tomar certas
liberdades e se porte mal.
O Grelhador é um espaço
sem tempo e sem dimensões: é infinito a dar com uma barbatana. Não tem
princípio nem fim, e nem convém; são tantas as almas que o populam que, tendo
um fim, já estaria cheio. É um espaço vermelho, cheio de fumo e chamas, onde as
almas daqueles que fizeram umas coisas más ao longo da vida são tratadas como
merecem: isto é, são torturadas da forma mais horrenda para toda a Eternidade.
As torturas são
personalizadas: para diferentes atentados contra a paciência da Pescada há diferentes
temperaturas, concentrações de fumos nefastos, altura de labaredas ou dimensões
de grelhas a ferver. E pior que tudo: não há uma única gota de água em todo o
Grelhador, e todos os castigados são polvilhados com sal. Isto produz uma
irritação cutânea tramada além da sede e das queimaduras de terceiro grau que imperam
para aqueles que negam a Pescada.
“Mas a Teoria da
Evolução diz-nos que quem nega a Pescada não faz necessariamente mal a
ninguém!”, dirão logo os futuros inquilinos do Grelhador. Esquecem-se que a
Pescada perdoa tudo; ou quase tudo. A Pescada perdoa violadores, ladrões,
contrabandistas, terroristas, abusadores sexuais, predadores e ditadores; todos
estes crimes, apesar de desagradáveis, podem ser corrigidos com um
arrependimento mesmo muito sincero dos seus praticantes e (nunca esquecer) com
uma aceitação clara e inequívoca da Pescada como Peixe Que Morreu Por Nós.
Aceitando o sacrifício
que a Pescada fez, claro, e mostrando que a Ama, o mais terrível dos seres
humanos pode encontrar a paz espiritual. As suas vítimas terão o consolo de
saber que quem lhes fez mal não só é perdoado, como entra no Jacuzzi e,
portanto, no círculo de fiéis da Pescada. E é bom que elas próprias façam o
mesmo, senão terão o azar de ter tomado a decisão consciente de... descer ao
Grelhador.
Isto porque todos os
crimes que descrevemos atrás são atentados contra a criação da Pescada, mas não
contra Ela própria. A Pescada tem mais que fazer senão preocupar-se com os
resultados do livre-arbítrio que deu à sua criação; agora, se há coisa que a
aborrece é ter gente que não a adora. Por isso é que apenas um crime hediondo
não pode, e não é, perdoado pelo Peixe-Pai: o ateísmo.
Fiem-se nisto, meus
caríssimos carapaus espirituais: crer na Pescada não é a melhor forma de levar
uma vida plena e, principalmente, obter uma recompensa agradável depois da
morte. Crer na Pescada é a ÚNICA maneira de evitar uma eternidade de
queimaduras e garganta seca.
Claro que os ateus que
nos rodeiam, e os hereges de outras religiões, negam esta evidência e dizem que
um sistema destes é uma injustiça e uma barbaridade. Como são amorosos, aqueles
que decidem conscientemente não aceitar a Pescada! Mas que esperam eles de um
ser Todo-Poderoso e Omnibenevolente senão uma tortura infinita dirigida a quem
não O ama?
“Mas a Teoria da
Evolução diz-nos que outras religiões têm outros infernos e locais de
sofrimento eterno. Porque deveremos levar o Grelhador a sério?”, perguntam os
ateus a rir à gargalhada. A resposta é teologicamente complexa, mas vou tentar
resumi-la: porque ele existe mesmo a sério, ao contrário de todos os outros
castigos divinos. Ponto final.
Claro que há quem corra
o risco. Há quem pense que se safa deste e de outros castigos divinos se
utilizar a Evolução, o Big Bang e outras construções heréticas para se defender
da Verdade. Mas a esses digo: experimentem queimar-se na ponta do dedo. Agora
multipliquem essa sensação pelo corpo todo. Agora multipliquem isso por mil.
Agora pensem nessa dor para toda a eternidade. Não vos dá medo? Não vos parece
desagradável? Se sim, então é porque lá no fundo, no mais puro cerne espiritual
que a Pescada colocou em vós, sabem que a ameaça do Grelhador não só é real,
como dói a sério.
Façam por evitá-la:
juntem-se a nós.
Salvem os vossos amigos
e familiares do Grelhador! Como? Organizem-nos num homogéneo cardume
intelectual e físico e conduzam-nos até ao espaço da nossa Igreja. O resto é
connosco.
Para a semana falaremos
de mais um aspecto da nossa crença totalmente fundamentada, e daqui a algum
tempo continuaremos o nosso estudo da organização do cosmos com um sermão sobre
esse lugar mágico que eu, vós, e todos (e apenas) aqueles que vocês conseguirem
trazer para o nosso pequeno grupo poderão alguma vez vivenciar: o Jacuzzi.
Ide, e dai com a
barbatana da Verdade na testa de quem não quer ver. Até para a semana.